Martinho Lutero, líder da Reforma Protestante, viveu quase 500 anos antes de Steve Jobs. Mas a distância pode não ser tão grande quando se trata do impacto que causaram na história.
A morte de Steve Jobs, o gênio da era digital, aconteceu no mesmo mês em que se celebra a Reforma Protestante, liderada pelo monge alemão Martinho Lutero. O evento do século XVI teve efeitos permanentes, algo semelhante às revoluções causadas pelo norte-americano, cujos inventos e adaptações atingem o mundo inteiro. Lutero morreu no mês em que Jobs nasceu e ambos viveram na época em que uma novo e revolucionário meio de comunicação se estabelecia – a imprensa e a internet. Serão somente estas as semelhanças? Ou há algo mais em comum entre estes dois reformadores com quase 500 anos de diferença? Nesta entrevista, o Pastor Lucas Albrecht, capelão da Ulbra em Canoas, RS, por ocasião do início da celebração dos 500 anos da Reforma Luterana, comenta algumas relações marcantes entre o trabalho de Martinho Lutero e a reforma de Steve Jobs.
BDU – Pastor Lucas, porque relacionar Martinho Lutero, personagem do Seculo XVI, com Steve Jobs, que viveu quase 500 anos depois?
PLucas – Apesar da distância no tempo, estes dois ícones da história têm alguns aspectos em comum. Há algumas semelhanças menores, mas é possível traçar pelo menos 3 grande paralelos revolucionários na vida de ambos: a tradução da Bíblia, a música e a composição de uma língua nacional em Lutero com, respectivamente, o PC, Ipod e Iphone em Jobs
BDU – Como é possível relacionar a tradução de Bíblia e o lançamento do PC?
PLucas – Em 1984, a Apple de Steve Jobs lançou no mercado o MacIntosh, computador de uso pessoal que foi considerado um marco na história digital. Muitas coisas podem ser ditas deste momento, mas a principal, do meu ponto de vista, é a de que o computador começou a, definitivamente, entrar na casa e na vida das pessoas. A interface gráfica que dispensava linhas de comando tornou mais fácil e dinâmico seu uso. Jobs, de certa forma, foi quem colocou o computador ao alcance das pessoas em geral. Ele deixou de ser um objeto para especialistas ou empresas e tornou-se um eletrodoméstico na vida cotidiana.
No século XVI, a Bíblia era um ‘objeto’ de uso exclusivo de especialistas, que dominassem as “linhas de comando” originais, o grego e o hebraico, ou pelo menos o latim. Martinho Lutero decidiu, então, traduzir o texto sagrado para o vernáculo, dando ao povo acesso direto ao texto sagrado. A Bíblia começou a entrar na casa e na vida das pessoas. Claro que a uma velocidade bem menor do que o PC, até mesmo pelas altas taxas de analfabetismo de então, mas deixando de ser privilégio de poucos para fazer parte da vida cotidiana.
BDU – E de que forma se pode relacionar Jobs e Lutero quanto ao uso da música?
PLucas – É opinião de muitos especialistas de que Jobs revolucionou a indústria da música com a criação do Ipod e também do ITunes. Não apenas o jeito de ouvir, mas até mesmo de fazer e distribuir música. Jobs não inventou o tocador de mp3, mas inovou e influenciou a maneira dos usuários fazerem uso desta ferramenta. No século XVI, a música já sofria os ventos de mudanças do renascimento. Lutero não as inventou, mas fez uso capaz e competente desta ferramenta como compositor (36 hinos), instrumentista (alaúde) e cantor (tenor). Segundo relatos, o papa estaria mais preocupado com os estragos que a Reforma estava causando por meio das canções do que por meio de sermões. A exemplo de Jobs, que com o iPod colocou a música na mão das pessoas de uma maneira fantástica, Lutero também tirou a música somente dos clérigos e colocou na boca do povo, daqueles que vinham à Igreja. Utilizava melodias populares, de fácil assimilação e no vernáculo. Foi o início da popularização da música sacra, com a ênfase no canto congregacional.
Algumas décadas mais tarde, coube a um luterano, Johann Sebastian Bach, influenciar fortemente a música mundial, sedimentando as bases da música tonal. Guardadas as proporções de velocidade, os luteranos influenciaram a história e a ‘indústria da musica’ na mesma proporção e rapidez que Jobs o fez.
BDU – O sr. mencionou que Lutero compôs uma nova língua. Como isso aconteceu?
PLucas – De fato, historiadores e linguistas consideram Lutero como o pai do alemão moderno. Ao realizar a tradução da Bíblia, ele procurou escrever de uma forma que todo o povo alemão, fragmentado em dialetos de norte a sul do país, pudesse compreender. Ele chegava a ir aos mercados e praças públicas para ouvir a língua do dia a dia, em busca dos vocábulos mais adequados. Da mesma forma, Jobs revolucionou o jeito de conversarmos, nos comunicarmos, ao transformar a indústria da telefonia com o Iphone. De certa forma, gerou uma linguagem unificadora, inclusive copiada por outras empresas, para a comunicação entre as pessoas.
BDU – Quais outros aspectos o sr. vê em comum na vida e obra de ambos?
PLucas- Poderíamos citar outros exemplos, como a ‘grande lacuna’; ambos estiveram por um tempo fora e viram seu empreendimento original quase naufragar. Lutero, depois de quase um ano escondido em um castelo, teve que voltar à cena, pois os objetivos originais estavam se perdendo. Jobs, depois de ser demitido da Apple em 1985, voltou à empresa em 1997 para salva-la da falência.
Tanto Jobs como Lutero eram líderes firmes, comunicativos e obcecados pelo trabalho. A obra que Lutero deixou escrita, por exemplo, levaria vários anos só para ser copiada. Ambos fizeram uso de um meio revolucionário de sua época para suas ideias, a imprensa e a internet. Ambos pensavam em como o ser humano pensaria/reagiria/utilizaria a “nova tecnologia” a ser empregada e disponibilizada. E um fator fundamental: Os dois tiveram parceiros, amigos e liderados muito importantes, sem os quais talvez quase nada tivesse acontecido, Em Lutero, podemos mencionar, entre outros, Melanchton, linguista, excelente redator e diplomata e o príncipe Frederico, Eleitor da Saxônia.
Outro detalhe interessante: Jobs, segundo algumas fontes, teria sido confirmado numa Igreja Luterana em Palo Alto, Califórnia. Se isto aconteceu, ele foi instruído no Catecismo Menor, de Martinho Lutero, e teve contato desde cedo com as ideias e ideais do Reformador, especialmente os 3 pilares da Reforma: Sola Gratia (Somente a graça de Deus salva o homem), Sola Fide (a salvação acontece somente pela fé) e Sola Scriptura (Somente a Escritura é fonte de doutrina). E, ainda, o Solus Christus Somente Jesus Cristo como o caminho verdade e vida. Talvez, segundo o autor norte-americano Andy Crouch, daria para imaginar que o símbolo original da Apple, uma maça mordida e um arco íris, seja uma representação de algo fundamental no luteranismo: Lei e Evangelho. A maçã mordida lembra o pecado e a condenação (Lei). E o arco-íris lembra as promessas de Deus para o ser humano (Evangelho).
BDU – Em 2017, completam-se 500 anos da Reforma. As celebrações já está sendo planejadas?
PLucas – Sim, os luteranos deram início em 2011 a uma série de celebrações para marcar esta data. Uma comissão das duas principais Igrejas Luteranas (IELB e IECLB) foi composta para conduzir os festejos. E, fazendo mais uma relação, não há dúvida de que, para divulgá-la, os luteranos, além de seguir o exemplo de Lutero, utilizando a imprensa como forma de divulgação, vão contar também com as facilidades de comunicação da era digital que Jobs ajudou a disponibilizar.
BDU – PLucas, o sr falou em semelhanças, mas haveria também alguma diferença significativa?
PLucas– Sim. A primeira importante diferença é o foco do trabalho. Jobs foi da linha de pessoas que apontam para o seu trabalho. Criou uma universidade para repassar seus ensinamentos, preservando sua imagem e mito. Já Lutero, apontou sempre para o trabalho do seu Mestre. O reformador do século XVI teria dito com exagero, perto do final da vida, para que queimassem todos os seus livros, antevendo um possível culto á sua imagem, deixando bem claro que o alvo era Jesus Cristo.
Outro aspecto importante: Steve Jobs focou, a partir da ‘leitura’ dos usuários, mudar a história das ferramentas. Lutero, a partir das ferramentas, procurou atingir a vida dos usuários, falando Daquele que mudou a sua história.
Por fim, Jobs começou a vida como cristão (luterano) e encerrou como budista. Lutero começou a vida como monge, encerrou como pastor protestante, permanecendo cristão. Lembrando o ICloud, lançado este ano por Jobs, é de se perguntar se ambos, agora, compartilham a mesma nuvem.
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